Assistindo ao reality, percebi a dinâmica presente na Faria Lima. Aqui também há candidatos a apaixonados, ancorando esperanças no ‘agora sim’, na solução mágica.
Essa semana, aproveitando o descanso no interior de São Paulo, decidi acompanhar a quarta temporada do programa de TV Casamento às Cegas Brasil, disponível na Netflix. Já fazia um tempo que não me dedicava a assistir a um reality show, mas diante de tantos comentários positivos, minha curiosidade foi aguçada. Antigamente, eu costumava me envolver mais com esse tipo de conteúdo, porém atualmente sinto uma certa saturação em consumir produções semelhantes.
Enquanto assistia aos episódios, refleti sobre a importância da união e do matrimônio nos dias atuais. Mesmo com tantas mudanças na forma como as pessoas se relacionam, o desejo de encontrar alguém especial para compartilhar a vida em uma só ligação continua sendo um anseio comum a muitos. A experiência de acompanhar casais em busca de um verdadeiro casamento sem se verem previamente me fez pensar sobre a complexidade e beleza desse processo de construir uma relação sólida e significativa.
Casamento: A Realidade Apresentada de Forma Falsa
Prefiro a ficção a uma realidade exposta e inventada. Ainda assim dei uma chance e me rendeu uma coluna. Produções assim fazem sucesso por onde passam. No Brasil não é diferente. Os motivos para essa popularidade são os mais variados. No caso dos expectadores, seja pela simples curiosidade humana ou pela síndrome do juiz plantonista, eles amam uma fofoca, vibram ao acompanhar (e julgar) o comportamento e deslizes alheios, ainda que tenham aqueles que veem nesse tipo de entretenimento uma simples forma de passar o tempo.
Já as marcas se aproveitam desse interesse para exibir produtos e serviços para uma audiência recorde disposta a sacar o aplicativo do banco e escanear imediatamente o QR Code da promoção da vez. Muitas delas se consolidam junto ao público e colhem milhões em faturamento.
Para as emissoras, a obsessão do público por acompanhar a vida em cativeiro televisivo, permite um folego financeiro generoso em seus balanços. E por último, e não menos importante – aliás, muitíssimo importante – está o elemento que se dispõe a despir sua intimidade publicamente para milhões de curiosos do sofá e levar uma grana pra casa ou o amor da vida para a vida.
E é isso que o Casamento às Cegas se propõe. No programa, os participantes conversam, confidenciam suas fraquezas, enaltecem seus pontos fortes se entregam ‘cegamente’ a oferta apresentada em pouco depois de três ou quatro encontros de uns dez minutos cada. É nessa interação relâmpago que eles se apaixonam loucamente e trocam juras de amor eterno no altar dias depois.
Tenho pra mim que a pessoa um não se apaixona verdadeiramente pela pessoa dois do outro lado do biombo. Elas se apaixonam pela ideia de que fazem um do outro. Imaginam como seria viver aquela história, como serão curadas as feridas abertas por relacionamentos malsucedidos no passado ou desejam apenas mandar para longe a solidão.
Nessa, criam a esperança do ‘agora vai dar certo.’ Foi assistindo a esse reality que me dei conta de como sua dinâmica também está presente na Faria Lima. Aqui também temos os candidatos a apaixonados. Aqueles que ancoram suas esperanças no ‘agora sim’, na oportunidade da vez que solucionará todos os problemas que antes não tinham solução.
Bastaram três ou quatro posts em um feed ou dois testemunhais de sucesso bem enredados para ver luz onde antes não havia. Questões como paciência, parcimônia, disciplina e resiliência não são mais impeditivos para se encontrar o amor financeiro da vida. Não é preciso se esforçar mais. A paixão pela ideia do ganho rápido, da aplicação sem risco, sem esforço dá borboletas na barriga.
Impossível não se apaixonar. Mas aí vem a lua de mel pós casamento consumado. Nela a realidade se apresenta em doses maiores. O date financeiro idealizado já não é tão sedutor como outrora. É chegada a hora de enfrentar a saga da convivência, da volatilidade da bolsa, da apreciação do dólar, da marcação dos ativos longos, da inflação do arroz feijão.
Se na vida pode ser possível se apaixonar pelo que
Casamento: A Ligação Entre a Ilusão e a Verdade
se apresenta como a solução para todos os problemas, na prática, a realidade pode ser bem diferente. O matrimônio televisivo, com sua receita de encontros rápidos e declarações apaixonadas, pode criar uma falsa sensação de amor eterno. Os participantes, seduzidos pela ideia de uma união perfeita, acabam por se iludir com a aparência de felicidade instantânea.
Assim como na prisão televisiva, onde a vida dos participantes é exposta para milhões de espectadores ávidos por entretenimento, o casamento às cegas também expõe a fragilidade das relações humanas. A pressão por manter as aparências e seguir o roteiro pré-estabelecido pode levar a intrusões estranhas na intimidade dos envolvidos, minando a verdadeira essência do matrimônio.
Enquanto as emissoras lucram com a audiência cativa ávida por acompanhar os altos e baixos dos casais em tela, os participantes se veem enredados em uma teia de expectativas irreais. A vida real, com suas complexidades e desafios, se choca com a narrativa romântica apresentada na tela, revelando a fragilidade da união baseada em impulsos momentâneos.
A busca pelo amor verdadeiro, muitas vezes, se perde na ilusão criada pela mídia e pela pressão social. O desejo de encontrar a alma gêmea em um programa de televisão pode obscurecer a necessidade de construir uma relação sólida e duradoura, baseada em valores reais e comprometimento mútuo.
O casamento às cegas, assim como a vida na Faria Lima, pode ser um reflexo da busca incessante por uma felicidade instantânea, sem considerar as consequências a longo prazo. A paixão pela ideia do amor perfeito pode cegar os participantes para as nuances da convivência e os desafios do dia a dia, transformando a promessa de felicidade eterna em uma ilusão passageira.
Fonte: @ Valor Invest Globo
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